Por Thaís Pimenta
Antes de colocar o pé na estrada, eu pedia a Iemanjá que
lavasse a minha fé e a Ogum, o pai do sol, que iluminasse o meu caminho. Meu
destino: Fortaleza-CE para participar do Congresso Nacional de Ciências da
Comunicação, Intercom 2012. Primeiro itinerário, Vitória da Conquista-Salvador.
Na terra do axé, parada para receber a magia e energia do sincretismo religioso
que envolve a cidade antes de alçar vôo para a capital cearense, onde os orixás
continuaram a me guiar.
Chegando ao aeroporto internacional de Fortaleza, na terça
(4) à tardezinha, via-se um movimento incomum. Na cerca que fica logo após ao
portão de desembarque, dezenas de pessoas aguardavam com um olhar apreensivo e
ansioso. Cheguei a pensar que poderia ser uma recepção calorosa que preparam para
a equipe d’O Rebucetê, mas não. O grupo de tietes esperava a dona de um corpo
bem mais escultural do que o meu, Viviane Araújo, vencedora da última edição
d'A Fazenda, reality show da TV Record. Superada minha desilusão, sigo para o
hotel para descansar da viagem e procurar na programação cultural da cidade os
possíveis lugares a visitar quando não estivesse no Congresso. Zapeada pelas
rádios, internet, indicações de pessoas da cidade. Escolha feita: Quarta de
Iansã, festa que aconteceu na noite seguinte. Minha missão até lá: Conservar-me
para depois cair no samba a noite toda.
Durante o dia, entre as atividades do Congresso, me dediquei
a me localizar no mapa da cidade e entender qual a logística do busão. Encontro
no mapa o Studio Mocó, local onde acontecem as Quartas de Iansã, observo os
lugares próximos e faço minha rota. Primeira parada: Dragão do Mar, centro
cultural, onde turista e moradores da cidade se encontram à noite para curtir
som ao vivo e uma cerveja. E assim o fiz. Entre um gole e outro e conversas com
amigos, escutava músicas que passavam pelos mais variados ritmos e bandas, indo
de “Come As You Are”, de Nirvana, a “Eu quero Tchu, eu quero Tchá”. Mas naquela noite eu queria mesmo era um mergulho
na cultura negra!
Já passava das 23h30 da noite, e Iansã veio me lembrar que
eu já estava atrasada para sua festa e uma rajada de vento derrubou todos os
copos da mesa. Do Dragão do Mar ao Studio Mocó, uma caminhada de cerca de 5
minutos e vento, muito vento, como ainda não havia presenciado na cidade. O
local é frequentado por um público dito alternativo. Quando adentro o recinto,
na força do rito, o grupo Tambor das Marias acabava sua apresentação. Mas logo
em seguida dança, percussão e a capoeira do Grupo Afro Arte, veio fisgar minha
atenção e arrancar-me um sorriso. O grupo é formado por jovens adolescentes
moradores da comunidade de Iparana, no município cearense de Caucaia. Eu
começo, a partir de então, a perceber o cunho social que a festa envolvia.
Abê, xequerê e alfaia,
para apresentação do grupo seguinte, o Movimento Arrastão, também
formado por jovens adolescente, porém da comunidade da Praia do Futuro. A
percusão do grupo mesclada a uma pegada de rock, sonorizava algo autêntico,
diferente. O grave do vocalista somado às caixas de som que “zumbizaram”, não
deixava nítida a pronúncia das palavras, mas o tambor... ah, esse sim conversa
com o meu coração! Movimento Arrastão ainda se apresentava quando, saindo do
estado de apenas expectadora, assumi o meu lado jornalistico e fui a procura
dos organizadores do evento.
Um presente de Iansã a Iemanjá. A festa foi organizada para
arrecadar verba para o Vidas Mergulhadas, um projeto que une cinema e
antropologia e tem como foco a produção de um documentário sobre a vida dos
pescadores da prainha de Canto Verde. A idealizadora do projeto, a assistente
social, Rose Costa, me contou um pouco mais do projeto: "Projeto pensado a
sete anos atrás quando senti essa vontade de estudar mais a cultura dos
pescadores. Isso veio me instigando, instigando e agora tô voltada para isso,
para colocar esse projeto em prática. Além de fazer o documentário
antropológico, vamos levar oficina de audiovisual, interagir com as mulheres,
os idosos e o filme vai ser implantado na própria comunidade.”
A vila dos pescadores
de Canto Verde ainda desenvolve o turismo ecológico. Segundo Rose,
permanece entre eles uma valorização
muito grande com a questão ambiental, a divisão de terra e apesar de a maioria
não ter o nível de escolaridade alta, apresentam nível de organização
comunitária bem expressivo. A equipe envoldia com o projeto tem cerca de 25
pessoas, entre eles pessoas que trabalham
audiovisual, sociologia, psicologia e ainda artistas plásticos. O
intuito do projeto é que eles se apropiem do documentário que será produzido, a
passem assim, a se conhecerem mais. “Além disso, ainda há o projeto de formar
uma cooperativa de coleta seletiva de lixo, vamos dar uma oficina nesse
sentindo, para que eles comecem a gerar renda com isso também”, afirma Rose.
Ibadã Brasil, o último grupo da noite se preparava pra
tocar. E se é samba de roda, ah eu vou! Enquanto, no canto direito do palco
preparavam os atabaques, os vocalistas do Ibadã Brasil convidavam o público a
formar uma roda. Uma morena do gingado e sorriso bonito, girando a renda da
saia, assumiu o centro da roda e começou a dançar. Um rapaz de chapéu, cheio de
samba no pé logo passou a acompanha-la, e a partir de então não precisava-se
mais de convite, as pessoas passavam a ocupar o centro da roda envolvidas pela
mágica daquele momento.
Depois desse samba de uma noite inteira, na saída do evento,
o vento forte voltou a rajar. Um sopro de Iansã que me acompanhava e mandava
suas bençãos à prainha do Canto Verde, ao projeto Vidas Mergulhadas, a Iemanjá.
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